Friday, November 5, 2010

Provocando Emoção

O papel das ciências sociais no game design

This article will be translated to english ASAP, while the translation’s not up you can check the original article. Thanks for your patience! – Roni

Os jogos estão tão intrinsecamente conectados ao nosso cotidiano que é difícil imaginar uma época em que os humanos não usavam estas atividades recreativas para seu lazer e aprendizado. Jovens de tribos indígenas no sul da Austrália costumavam brincar de Battendi (jogo no qual o objetivo é lançar objetos) para praticarem sua pontaria com as lanças¹ e adultos chineses jogam Xiangqi (famoso passatempo, conhecido como o xadrez chinês²) para se distraírem da mesma maneira que crianças, hoje, brincam de pique-esconde para passar o tempo enquanto adultos jogam xadrez para exercitar suas mentes. Uma certeza é irrefutável: a noção de jogo nos acompanha há tanto tempo que é difícil até mesmo separá-la da condição humana. Hoje, jogamos para aprender, jogamos para nos distrair, jogamos para ter experiências e até jogamos para nos emocionar, mas todas estas possibilidades oferecidas pelos jogos digitais atualmente não nasceram da noite para o dia. Isso foi fruto de um processo lento que necessitou de muita tentativa e erro e da idealização de diferentes tecnologias.

Partindo de um exemplo remoto como a criação do famoso jan-ken-pon, jogo criado na China antiga³ que é usado como base para o equilíbrio da jogabilidade de muitos jogos hoje, ou da invenção do xadrez, na Índia, durante meados do primeiro milênio4 já é possível notar a necessidade do idealizador de tomar decisões sobre como uma partida de seu jogo, mesmo este sendo clássico (fazendo uso de tabuleiros, cartas, dados ou até mesmo as mãos), irá transcorrer. É necessário decidir quais serão as regras deste jogo, estipular seu objetivo pelo qual o(s) jogador(es) tem que competir, seja esse objetivo baseado em tempo, quantidade ou conquista. Além de definir o espaço deste jogo, explicando se a movimentação dentro dele é livre, regrada ou até mesmo controlada baseada em alguma coisa. Informar como os jogadores podem manter o controle desse movimento (mapa de quadrados, hexágonos, círculos, régua flexível) também é necessário, sem esquecer de escolher quais artifícios usar (cartas, dados, fichas, fotos, esculturas) para representar as idéias que o jogo precisa que o jogador entenda ou observe. E definir quais as interações possíveis do jogador sobre o jogo, o que ele controla, o que ele não controla, quantos jogadores podem participar de uma partida, como manter o jogo interessante para todos os participantes, como um jogador pode afetar o outro, quais as ações que cada jogador pode exercer sobre o outro. São essas as características que definem o conceito e a jogabilidade do seu jogo. São estas decisões que compõem o game design5.

Estes simples exemplos mostram necessidade de criar sistemas e estruturas que engajem e cativem o jogador a participar e interagir, pois jogos, enquanto entidades interativas abstratas, são naturalmente atividades e não trabalho. Portanto, na grande maioria das vezes, a participação do jogador é totalmente opcional e particular a ele, se ele não se sentir motivado a jogar, não participará. Outra característica notável é o fato da maioria destas características serem totalmente voltadas para a parte funcional, e consequentemente mais genérica, do jogo. Essas características previamente apresentadas, as quais se limitam a não apresentar razão ou lugar para elas mesmas, não tratam de nenhum assunto em especial. São apenas partes que compõem uma estrutura genérica a qual pode ser encaixada qualquer contexto. Essa estrutura possui conceito, características, mecânicas e ações. Mas ainda falta dois elementos básicos: Conteúdo e contexto6. Todos os jogos criados no passado e até há algumas décadas atrás tinham conceito, características, mecânicas e ações bem definidas e significativas, mesmo que poucas, mas não tinham tantos artifícios para relacionar o jogo com a realidade, no caso conteúdo e contexto. Não existia visuais aprimorados e em tempo real, nem efeitos sonoros realistas ou trilhas sonoras, ou qualquer assinatura própria com a realidade do jogador. Isso é um aspecto que caracterizou a maioria dos jogos clássicos: a necessidade de limitações nos campos de conteúdo e contexto serem preenchidos com a imaginação. O jogo, sem contexto e conteúdo, é só um conjunto de regras abstratas o qual regem sobre um universo, que é a partida. Um jogador, provavelmente, só lembraria dessa estrutura genérica quando jogasse algum outro jogo parecido ou lembrando de algum acontecimento extraordinário, que provavelmente aconteceu externo ou universo do jogo, mesmo que durante uma partida, como alguma interação entre jogadores ou algum acontecimento engraçado devido as regras do jogo. Essas eram as dificuldades enfrentadas dentro da dinâmica dos jogos clássicos e até de brincadeiras de criança. Todas estas formas de jogo necessitavam de criatividade e imaginação para se aproveitar suas experiências em ao máximo. Não era fácil, se ao menos possível, contar uma história profunda, significativa e complexa através de jogos clássicos ou brincadeiras, entretanto era possível criar estruturas genéricas sobre as quais os jogadores aplicavam suas histórias, personagens e narrativas. E estes exemplos, claro, também se aplicam aos jogos de tabuleiros mais sofisticados que são comercializados hoje, pois a mídia, e consequentemente suas limitações, continua praticamente a mesma.

Portanto, levando em consideração todas as limitações da mídia analógica em relação à quantidade de informação apresentada a(os) jogador(es) para que o jogo corra de maneira flúida, as limitações em contextualização e a exposição de conteúdo simbólico significativo, caracterizado pela diferença entre mostrar uma carta de uma personagem e materializar, mesmo que virtualmente, a personagem diante do jogador, dar uma voz a ela e um conjunto de opniões e diretivas para que ela interaja com o jogador, já é possível definir alguns aspectos que caracterizam razões para a força da experiência interativa não ter sido plenamente explorada pelos jogos:

Primeiramente, não havia tantas e nem tão simples formas de difundir a capacidade de imersão e intimidade que os jogos proporcionavam entre o jogador, a narrativa e suas escolhas dentro dela, no passado. Talvez uma das raras formas de jogo que poderiamos qualificar como criador de experiências plenamente interativas são os RPG’s de mesa como Dungeons & Dragons e GURPS, populares na década de 1970 e 1980, aonde o jogo, por ser mediado por um ser humano presente à mesa, tem infinitas possibilidades ao passo que qualquer indagação ou ação tomada por um jogador pode ser rapidamente interpretada e incorporada ao jogo através da vontade e imaginação do chamado ‘mestre’ da sessão, criando uma sensação de realidade e imprevisibilidade. Esses sistemas de jogo de interpretação criaram a possibilidade de histórias serem contadas através do jogo em si, com os jogadores fazendo escolhas que afetam a história de maneira ativa e dinâmica, criando relacionamentos e relações com outros personagens e NPC’s dentro do jogo. Porém, por apresentar um conjunto complexo de regras e que necessitava ondas constante de cálculos, um pouco de trabalho por parte do mestre para a preparação dos materiais para a sessão de jogo e muita imaginação por parte dos jogadores para superar as limitações audio-visuais e de imersão que os sistemas de RPG de mesa apresentam, essa não foi uma forma de jogo muito difundida.

Vale citar também que, devido as limitações de mídias analógicas já mencionadas, as experiências proporcionadas pelos jogos e brincadeiras clássicos eram baseadas em emoções básicas, como as da lista mais simples apresentada por Paul Ekman na década de 1970: alegria, tristeza, cólera, surpresa, nojo e medo7. Sendo as últimas duas, ainda sim, sendo exploradas de maneira muito superficial, de maneira que é necessário um nível de imaginação e compromentimento com o jogo muito alto para genuinamente sentir medo atráves de simples representações ou até mesmo nojo de qualquer experiência que o jogo em si possa vir a apresentar, ao passo que é mais fácil que essas emoções surgam em relação a qualquer um dos outros jogadores, o faz relação direta com o próximo item.

A grande, e quase generalizada, dependência das estruturas de jogo na participação de mais de um jogador para potencializar o possível compromentimento emocional com os resultados que o jogo pode proporcionar. Os jogos clássicos necessitavam de imaginação e adicionais jogadores para as experiências vividas durante as partidas se traduzirem realmente em emoções, do contrário elas eram simples sentimentos, ou sensações. Não havia personalidades dentro do jogo para culpar por erros, acontecimentos ou perdas a não ser que o jogador imaginasse o bispo esquerdo do xadrez como sendo um homem terrível que queria tomar o trono do rei negro. Era tudo mecânico, o que dificultava o relacionamento dos acontecimentos com a realidade. O game designer criava estruturas de jogo sobre as quais deveriam ser implantadas as histórias, personagens e narrativas do jogador. Ele criava sentimentos e possibilidades, nada mais. É mais fácil proporcionar a possibilidade da emoção nojo surgir quando você obriga um primeiro jogador a disputar pela vitória com um segundo jogador e este se mostra disposto a trapacear para completar seus objetivos, uma opinião da qual o primeiro jogador repugna.

Isso leva a crer que emoções básicas são facilmente representadas pela forma como agimos com objetos, objetivos e problemas os quais não precisamos interagir de maneira social para que sejam resolvidos, mas ao inserir um elemento social na disputa, como a introdução de um jogador oponente, ou a simulação deste, capaz de se comunicar e interagir com o jogador fora do âmbito de jogo, o jogo dá margem para a criação e/ou o desenvolvimento de toda uma teia de motivações, pensamentos, sentimentos e emoções que cada jogador deverá tentar desvendar para auxiliar no entendimento e na superação de seus oponentes. Isso traz todas as emoções envolvidas no processo social para dentro do jogo, o que só auxilia na tarefa de imergir o jogador em um mundo único no qual ele possa viver uma história que ele irá acreditar e, possívelmente, extrair algo de positivo, levando consigo lembranças das experiências vividas nesse mundo fictício.

Mesmo com todos as limitações da mídia analógica, o nascimento e a popularização dos videogames trouxeram uma mudança para o paradigma do papel do game designer: na década de 1980 a terceira geração (8-bits: SNES, MegaDrive) dos consoles de videogame chegou e com ela muitas franquias de RPG’s começavam sua tentativa de apresentar uma história, personagens e uma narrativa que tentava cativar e emocionar o jogador que estivesse vivenciando o protagonista. Pela primeira vez havia um jogador que interagia socialmente com outras entidades simuladas, o que permitia partidas individuais, e essas entidades, por sua vez, interagiam com o jogador utilizando programação de computadores para fazer a análise do que deveria ser tido ou feito dentro do jogo. Havia razões para os acontecimentos dentro do jogo. O jogador ainda tinha a liberdade de fazer o que ele quisesse dentro do mundo do jogo, dentro dos limites impostos pelos designers naquela determinada estrutura, mas havia ali uma história, algo que deveria ser seguido, explorado, descoberto e entendido. Agora havia vilões, entidades com motivações ou intenções opostas as suas. Mas dessa vez havia motivos que podiam ser descobertos pelo jogador e esses motivos iam além da simples alegria, tristeza, surpresa e outros. Agora havia a possibilidade do jogador finalmente derrortar um vilão só para descobrir que seus motivos talvez fossem tão nobres quanto os seus próprios ou que ele tinha sido levado a isso por forças maiores que ele, o que poderia levar o jogador a sentir pena do que antes ele pensava ser seu arqui-inimigo. O aspecto emocional evoluia dentro da mídia dos jogos através do advento dos jogos digitais e da introdução da narrativa de maneira difundida para as massas. Game design estava se transformando em algo mais complexo do que simplesmente criar regras e métricas para que os jogadores projetassem suas emoções. O papel do game design agora era o de provocar emoção. Um game designer precisava fazer seu jogador chorar, rir, ter ou perder a esperança, sentir medo, aflição, nojo, culpa e muitas outras emoções para que sua narrativa e seu mundo fossem lembrados e incorporados na vida do jogador quase como uma memória, algo que os seus jogadores pudessem lembrar e aprender com, e não como um simples sonho ou jogo.

As limitações dos jogos clássicos começavam a ser superadas com a introdução de narração e tecnologia digital o que, permitindo o processo de um enorme fluxo de dados, facilitava a criação de jogos maiores e mais complexos que ainda sim pareciam simples para o usuário final. Todavia, na terceira geração os visuais ainda eram rústicos, portanto ainda havia a dificuldade de transmitir sensações e emoções relacionadas a lugares, ambientes, visuais, trilhas sonoras e efeitos sonoros, mas o ofício de fazer jogos finalmente começava a dar seus primeiros passos em direção a ser considerado arte. Algo que não era visto em todo seu potencial, nem em todo seu espectro. Com o passar dos anos a tecnologia avançou, passando para a renderização de jogos em três dimensões, o aumento exponencial de polígonos renderizados na tela, a quantidade de texturas que os modelos suportavam e assim foi o desenvolvimento das tecnologia disponíveis hoje.

Hoje títulos de jogos como Ghost Recon, Gears of War, Call of Duty, Dead Space, Fallout e Batman: Arkham Asylum lideram o avanço das inovações que ocorrem todos os anos no mercado mainstream de jogos digitais. Novos designs se transformam em novas idéias, novos sistemas de jogabilidade ou em novos jeitos de representar as idéias mais inusitadas e os personagens mais fantásticos no mundo virtual. Muito se fala do costume de comparar o ramo dos jogos com o ramo dos filmes, mas é válido fazer a analogia de que hoje o trabalho de um game designer é muito mais parecido com o de um diretor de cinema. Ele tem a idéia, o conceito em sua mente. Todo o jogo se passa em sua cabeça: a jogabilidade está montada, todo o ambiente modelado e texturizado, os efeitos prontos, os NPC’s no lugar, todas as set pieces, sequências pré-programadas, já animadas e preparadas. O game designer já pode vivenciar toda a experiência em sua mente, se colocar no lugar do protagonista e sentir tudo o que ele pode, entretanto ele precisa passar isso para a equipe, o jogo estar pronto em sua mente é somente o primeiro passo.

Um game designer precisa aprender a traduzir o que sente quando vivencia o jogo em sua mente: quais são as emoções chave para a experiência sair do jeito que ele a idealizou, quais as características mais marcantes dos momentos que se passa em sua cabeça e como traduzir isso para o jogo. Essencialmente, um game designer precisa construir mecânicas e ações que o seu jogador irá realizar repetidamente dentro de seu jogo e estas mecânicas e ações devem influenciar os jogadores a sentir algo. Ter uma sensação única ou estranha a eles, como sentir desgosto ao tomar uma decisão não muito convencional, mas necessária para a preservação de sua vida dentro do jogo, uma sensação de poder e controle quando estiver detonando diversos meliantes pelas ruas de uma cidade tomada pela violência ou sentir desconforto e medo enquanto explora um laboratório escuro e parcialmente destruído localizado no fundo do mar enquanto ouve sons estranhos e gritos de dor a distância. Por isso ele precisa conhecer a si mesmo e o que sente para poder transmitir isso através de vias comuns como um jogo, criando jogabilidade e situações que vão colocar o jogador sobre pressão, fazer ele pensar em alguma coisa ou fazer ele agir de alguma forma, só para citar alguns exemplos. Para isso o game designer precisa, como um provocador de emoções, se apoiar em ciências que estudam os diversos aspectos de quem vai jogar seu jogos, seres humanos. Para isso ele faz valer de áreas estudadas já há algum tempo como Antropologia, Psicologia, Linguística e História.

A antropologia estuda o homem, como o nome indica: antropo, do grego anthrōpos – “homem”, e logia, do grego logia – “estudo”, a partir de diversas perspectivas. Dentro da antropologia há quatro áreas principais: antropologia biológica, antropologia cultural, antropologia linguística e a arqueologia8. A principal área contribuinte para a matéria interdisciplinar que é o design de jogos é a antropologia cultural. Ela engloba o estudo da cultura de uma população, o que é especialmente útil para julgar a melhor forma de focar os esforços no momento de elaborar o game design dedicado a uma porção da população. Usando o exemplo de um jogo casual: é fato consumado que nem toda a população do mundo aprecia as mesmas atividades, portanto é útil saber qual porcentagem de pessoas gosta do que e focar os esforços em desenvolver as áreas em maior demanda para atingir um nível de aceitação adequado. Mas isso só caracteriza um exemplo, também é hipoteticamente possível usar o conhecimento gerado pelas pesquisas e experiências dos antropólogos para detectar padrões de gosto e preferência e aplicar isso na criação de designs, apontando a confecção de desafios, mecânicas e ações para padrões cognitivos específicos, exemplo disso é montar uma mecânica ao redor da idéia de repetição ou sequenciação, dependendo do foco e da preferência dos jogadores. A antropologia linguística e a biológica dão respaldo ao uso de outras áreas na criação de designs, como a linguística e a história, respectivamente.

História é uma área usada, juntamente com a antropologia biológica, para dar suporte às narrativas dos jogos atuais, tanto para as que carregam um teor fantástico ou fictício quanto para as narrativas mais contemporâneas que apresentam alguma conspiração, ramo desconhecido da história ou teoria da destruição mundial. O uso e o estudo da história são importantes por diversos motivos, um deles seria para dar consistência a narrativa e encaixar ela de maneira eficiente no escopo mundial que o jogador conhece, outra utilidade do estudo de história para aplicação na narração de um jogo seria utilizá-la para misturar fato e ficção de maneira que aliene o jogador em relação ao que realmente aconteceu naquele período de tempo, isso se prova especialmente eficaz quando partes da história são inexploradas ou parcialmente desconhecidas pelo o jogador, assim o designer tem a liberdade de criar ficção ao mesmo tempo que à apresenta de maneira convincente e quase que real, o que pode ser usado para manipular a visão e opinião do jogador sobre acontecimentos passados. Enquanto isso possa parecer um tanto mácabro e maquiavélico de ser realizado por parte de um designer, esse método é simplesmente mais uma opção em seu arsenal para apresentar sua idéia e convencer os jogadores de que ela e válida ou fazer eles sentirem empatia por um lado ou uma perspectiva da qual ele acha válido apresentar para o mundo, novamente, parecido com o jeito que um diretor impõe uma visão ou um sentimento sobre sua audiência. É só mais um jeito de influenciar o jogador e um bom exemplo dessa técnica é o estilo de narrativa do jogo hit de succeso Metal Gear Solid 3: Snake Eater9. No jogo, Hideo Kojima, o principal designer, escritor e idealizador da franquia, utiliza de muita técnica para aplicar alguns conceitos de hiperrealidade na ficção do jogo. Ele foi tão cuidadoso em sua aplicação em relação a conteúdo e método, além de ter escolhido uma ótima época para aplicá-la, que não seria um absurdo considerar a possibilidade de que muitas então crianças, o jogo é de 2004, foram expostas ao conteúdo do jogo e tomaram como verdade muitos dos fatos expostos no jogo. Uma breve explicação, a efeito de exemplo. No jogo, Kojima apresenta a crise dos mísseis em Cuba como uma farsa, apenas uma mentira apresentada pelos EUA para encobrir a verdadeira moeda de troca usada para forçar os russos a retirarem os mísseis de Cuba. Os russos queriam, na verdade, um de seus cientistas, que havia fugido para o oeste anos antes, de volta. Esse cientista se chamava Sokolov e era o principal responsável pelo desenvolvimento da tecnologia que possibilitou o voo do foguete Vostok, responsável por mandar Yuri Gagarin para o espaço por uma hora e quarenta e oito minutos. Sokolov havia fugido para o lado oeste da cortina de ferro depois de se ver forçado a adaptar seu trabalho para ser utilizado na criação de um sistema de lançamento de mísseis balísticos intercontinentais. A URSS queria Sokolov de volta, por motivos que os EUA não completamente entendiam, e, devido a gravidade da situação e ao desconhecimento dos norte-americanos dos planos russos, eles o devolveram, mesmo contra sua vontade. Anos mais tarde um agente da CIA, codinome Snake, durante a execução de uma missão que provaria para a agência que sua unidade especial estava pronta para ser aprovada e oficializada, ele foi designado com a missão de extrair Sokolov novamente para o oeste, baseado em inteligência de que ele estaria trabalhando em um novo sistema de lançamento de armas nucleares. Durante a extração da área de operação o cientista é recapturado por uma facção separatista que tem planos para tomar a Rússia e o líder dessa facção explode um protótipo de uma bomba nuclear portátil norte-americana que a melhor agente secreta americana deu de presente a ele quando traiu os EUA para se aliar ao bloco soviético, mais precisamente se aliar a esta facção e causa uma instabilidade no governo russo, o que força Khrushchev a dar um ultimato secreto no presidente dos EUA, forçando o agente da CIA envolvido no primeiro incidente a voltar a campo, mesmo tendo sido seriamente ferido. Isso é só para ilustrar, de maneira branda, o quão fundo Kojima foi para montar sua ficção em cima da história que conhecemos hoje. Embora o cuidado e a execução possam ser considerados impecáveis, o principal atrativo de tudo isso ainda é a época em que ele decidiu posicionar o jogo e esta narrativa. Como o nicho de jogadores está mais envolvido ao redor de jovens que não viviam na década de 60, poucas delas conhecem o que realmente acontecia em 1964 e quais eram as possibilidades da tecnologia da época. Dando margem para Kojima brincar com a realidade da época. Já que tudo o que esses jovens conheçem é tecnologia, não seria um absurdo imaginar que a 40 anos atrás tudo também era tecnologia. Isso dá a Kojima e sua equipe a liberdade para alterar a história e inventar pontos que façam com o que jogador tome alguns acontecimentos do jogo como reais, mesmo que não seja e ajude os jogadores a simpatizarem com seu, já conhecido, tema anti-guerra e anti-nuclear.

A Psicologia é o campo que estuda o papel das funções mentais no comportamento individual e coletivo e seu objetivo imediato é entender a humanidade através da descoberta de princípios gerais e o estudo de casos específicos, por isso é um campo tão explorado na área de design, principalmente pois se trata de criar experiências para pessoas e para realizar esse feito conta muito ter a disposição uma ciência que estuda a razão para pessoas se assustarem, apaixonarem, se sentirem felizes, deprimidas ou praticamente qualquer outro sentimento ou emoção. Os casos de uso que as técnicas da psicologia proporcionam para o game design são inúmeras, mas algumas valem a pena ser citadas. Por exemplo, é muito útil saber qual a sensação ou emoção inatas que as cores transmitem para a maioria das pessoas. Se for o objetivo do designer criar uma área que parece mais solitária ou isolada ele pode se basear nos conhecimentos e pesquisas feitos pela psicologia para usar as cores que correspondem com a emoção que ele quer transmitir. Outro caso interessante é o do próprio estudo do comportamento. Sabendo quais os movimentos, expressões e jeitos de falar de uma pessoa que está mentindo, falando a verdade, sendo espontânea ou deprimida é muito mais fácil representar isso na tela durante a atuação de seus personagens. Outro caso interessante é o efeito da noção de recompensa na mente do jogador, analisando o exemplo do jogo Diablo, por exemplo. Diablo é um jogo que, apesar de todo seu contexto e conteúdo, se caracteriza por apresentar uma dungeon (um calabouço ou uma simples área subterrânea ou separada do mundo normal que apresenta perigos e tesouros desconhecidos) na qual o jogador deve aplicar sua habilidade, fazer valer seu equipamento e utilizar seus itens para eliminar todos os inimigos ou encontrar a chave para o próximo andar, que geralmente vai mais fundo. Ao final ou durante os confrontos de um dado andar o jogador obterá novos itens que repõe os itens gastos com recuperação de energia ou mana e também terá acesso a equipamentos mais poderosos com um contexto ainda mais místico e maravilhoso e com visuais macabros e ainda mais fantásticos. Entretanto, o que o jogador não percebe é que o jogo está simplesmente o enganando. Ao dar os itens que o jogador gastou de volta, aumentar a capacidade de seu personagem e lhe provir equipamentos mais fortes o jogo está proporcionando ao jogador a sensação de sucesso, de missão cumprida e de recompensa. Após todo o esforço e todas as perdas ele sente que conseguiu algo novo e mais poderoso, algo que o difere do resto dos personagens de seu mundo, entretanto, no momento em que ele faz a transição para o novo nível, que contém inimigos mais fortes, o próprio jogo anula qualquer benefício que ele tenha ganhado anteriormente. É um clássico caso aonde o jogador pensa que está ganhando algo fantástico quando na verdade só está ganhando aquilo que o jogo julga necessário para que o jogador sobreviva e possa ter uma experiência satisfatoriamente divertida e ao mesmo tempo não menos difícil do que o nível anterior. Pode ser feita uma analogia com esse exemplo, imagine que você esteja dentro de um carro, andando a noventa kilometros por hora em uma estrada de cinco pistas, seu carro está na terceira pista e todos os carros nessa mesma pista parecem estar andando a uma velocidade parecida, em relação a você eles parecem parados. No momento que você acelera para cento e dez kilometros por hora, tudo parece mais lento, você está indo mais rápido que a maioria e sente isso. Entretanto, no momento em que você muda para uma pista à esquerda você percebe que tudo volta a ficar relativamente parado. Na realidade o aumento de velocidade só conta na pista mais lenta, quando você passa para uma pista mais rápida o ganho se incorpora a necessidade natural de velocidade para não bater o carro em um veículo que venha atrás. E com um algoritmo simples de criação de mapa, posicionamento de inimigos e um escalador de pontos é possível deixar o jogador passando de um nível para outro com inimigos mais fortes, mais resistentes e com armas mais fantásticas por um período praticamente infinito. Outro exemplo interessante, e que não havia sido explorado de maneira aberta até pouco tempo atrás, é o mapeamento de personalidade e comportamento para uso dentro do jogo. Imagine que um jogo tenha um questionário tão detalhado que, ao respondê-lo de maneira verdadeira, ele apresenta desafios, sustos ou estímulos que são feitos sobre medidia para você. É o seu medo na tela, aquele susto ou aquele local foi feito para estimular você de uma maneira que o designer deseja. Pode parecer algo estranho mas foi justamente o que Silent Hill: Shattered Memories apresentou ao criar um contexto de consultório psicológico no qual um psiquiatra lhe faz perguntas e grava suas respostas para influenciar a jogabilidade e até os personagens e o que eles falam para o jogador. Esse conceito ainda não foi plenamente explorado, mas traz possibilidades animadores para designers de todo o mundo.

A Linguística é a ciência da comunicação, como hoje trabalhos com narração e jogabilidade juntos. Vemos uma tendência: o crescimento da personalização e da aleatoriedade da narrativa. Hoje a narrativa ganha espaço e vem se transformando em algo tão aleatório e tão controlável pelo jogador como as ações de jogabilidade de nível baixo de seu personagem. O princípio é básico: toda ação dentro do mundo do jogo deve ter uma reação, uma consequência. O campo da linguística ajuda na confecção de diálogos e da comunicação básica entre jogador-jogo. Além de beneficiar em campos como o da criação de significado, já que a linguística também estuda a formação de símbolos e como o cérebo os interpreta. Isso é particularmente útil quando criando mensagens subliminares ou criando cenas que possuem, ou não, um ar misterioso. Um item bem posicionado e bem mostrado pode valer por mil palavras quando o que está em questão é o entendimento de um significado pelo seu jogador ou a criação de um. Além da exposição de sentimento e emoção através de itens cotidianos em nossa vida. O estudo de como símbolos e o significado são criados ajuda o designer a criar ou expor símbolos e significado para o jogador o que potencializa e muito a força que uma experiência interativa pode ter sobre uma pessoa.

E assim se pode constatar a evolução do ofício de fazer jogos em um trabalho de criação de experiências, algo tão íntimo, real e carregado de significado que é de interesse do designer e de toda equipe de desenvolvimento que as experiências exploradas e ocorridas dentro do jogo não sejam tratadas apenas como diversão, embora elas, muitas vezes, possam ser, mas como algo da onde possa se aprender algo, tirar significado. É uma perda de energia e também uma pena não considerar todo o potencial que experiências interativas tem sobre nossas vidas, uma vez que é da condição humana prezar por tudo aquilo que é construído por nós mesmos. Nada mais natural do que prezer com vigor extra o resultado de um jogo, que é fruto direto das escolhas do jogador. Sejam essas simples, básicas, complexas ou simplesmente escolhas. O trabalho de um designer é muito divertido, mas ao mesmo tempo de grande responsabilidade. Somos susceptíveis a estímulos quando procuramos diversão. Encaramos o que vemos de maneira aberta e totalmente sem preconceitos uma vez que escolhemos aquele jogo, filme, livro ou aquela experiência para vivenciarmos. Portanto, o que uma pessoa joga, assiste, lê ou ouve durante sua infância, e talvez até em sua vida adulta, influência em como esta pessoa pensa, age e vê o mundo. Trazer questões pertinentes ao cotidiano do público e usar os jogos como uma ferramenta que possibilite o balanço de uma visão, geralmente, unilateral para que, a partir daí, este público possa encarar situações com diversos pontos de vista em mente e assim tomar atitudes de maneira informada é uma responsabilidade que todos os designer de jogos e de entretenimento em geral carregam, invariavelmente. Claro, é de opção pessoal engajar ou não nessa empreitada, mas sem dúvida, está nas mãos de game designers uma mídia de extrema força que carrega, por natureza, o poder de convencer os mais teimosos dos homens, se bem usada.

Referências

1. Traditional Aboriginal Games & Activities, http://www.creativespirits.info/aboriginalculture/sport/traditional-aboriginal-games.html, acessado em 28/10/2010;

2. Xiangqi, http://en.wikipedia.org/wiki/Xiangqi, acessado em 28/10/2010;

3. Rock-Paper-Scissor, http://en.wikipedia.org/wiki/Rock-paper-scissors, acessado em 28/10/2010;

4. History of Chess, http://en.wikipedia.org/wiki/History_of_chess, acessado em 28/10/2010;

5. SCHELL, Jesse (2008), The Art of Game Design: A book of lenses, pg. xxiv;

6. LOPES, Gilliard; KUHNEN, Rafael (2007), Game Design Cognition: the Bottom-Up and Top-Down approaches, http://www.gamasutra.com/view/feature/2129/game_design_cognition_the_.php?page=1, acessado em 02/09/2010;

7. Emotion Classification Theories, http://en.wikipedia.org/wiki/Emotion_classification, acessado em 04/11/2010;

8. Anthropology, http://en.wikipedia.org/wiki/Anthropology#Military, acessado em 04/11/2010;

9. IOVANOVICI, Zoran (2010) Analysis: What Metal Gear Solid 3 teaches us about Hyperreality, http://www.gamasutra.com/view/news/29377/Analysis_What_Metal_Gear_Solid_3_Teaches_Us_About_Hyperreality.php, acessado em 01/10/2010;

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